CENAS DA FOZ: ALGORITMO E EXTINÇÃO

Ao longo da Rua do Passeio Alegre: Bocca East & Drink, Wish Sushi, Al Forno, Adega da Cantareira, La Brasserie de Entrecôte, Casa de Pasto da Palmeira; oferecem designações e esplanadas que confortam a legibilidade de alguns dos transeuntes, provavelmente chegados ali saindo na última paragem do Porto Tram City Tour.

Isto da legibilidade universal afasta-nos da aventura.

Quebrando a consecutividade das nomeações dos guias de lazer, um único espaço aberto ao público carece de designação: tem outras formalidades, é reconhecido pelo nome de quem lá trabalha. Há outro estilo e público. Aqui, conforto e legibilidade tem outras narrativas: “hoje há biqueirão” – diz o giz a todos; informando da disponibilidade de iguaria muito apreciada, rara nas mesas, normalmente para conserva ou devolvida ao mar quando acoplada à faina da sardinha.

Diz quem lá trabalha que não há mais nenhum lugar ali onde se possa “comer à conta”. Afirmação não de júbilo de quem aniquilou a concorrência, mas de temor pela sua própria existência.

É difícil por aqui hierarquizar continuidades, embora adivinhe a que vai prevalecer. Atravessada ao longo da Rua há a das novas ofertas gastronómicas e chalets renovados. Perpendicular a essa, do “biqueirão” em direcção à língua de areia da Foz do Douro há outra: dos jovens desempregados, dos parados pelas quotas, dos que ambicionam outros estímulos, das redes de pesca escondidas numa estrutura de metal moderna, das dezenas de barcos de pequeno porte a balançar no Douro que não são apenas uma encomenda para a paisagem (embora pareça). Nada do  suposto acontece e já nem se quer é distintivo, apenas despercebido. E não… este exercício de estilo não é uma ode à produção primária, apenas pretende revelar que não se construiu alternativa e que a emergência da primeira continuidade dá-se à conta da extinção da segunda e da despersonalização dos seus membros.

Uns metros acima, na colina, o exercício é mais simples. Uma bela vista, um silêncio condimentado pelo som dos usos do espaço público. Tudo muito difícil de descrever a não ser recorrendo ao barroco e nem assim se oferece o mínimo desse espaço a outros. Uma solenidade que convém ser experimentada mais que descrita e comentada.

Foi nesse local, na década de cinquenta do século XX,  que foram edificados os Blocos do Bairro Rainha D. Leonor, realojando famílias das ilhas da Constituição. Naquela época, os moradores sentiram-no como um desterro, a quilómetros das suas relações sociais e económicas. Há muito que o bairro foi engolido pela cidade. Se há décadas foram deslocados para vingar determinada cidade, hoje volta a acontecer para se fazer outra.

Após décadas de promessas de reabilitação, este ano a Câmara Municipal do Porto selou o destino do Bairro aprovando a construção no seu local de um condomínio de luxo que, em contrapartida, constrói nas traseiras, um prédio único para realojar os habitantes.

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